ENSAIO SOBRE OS PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS ADOTADOS NO BRASIL EM AFRONTA AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL

Hilton Hril Martins Maia

Resumo: O presente trabalho tem como objeto de análise a devida aplicabilidade do princípio fundamental da inafastabilidade do controle jurisdicional nos procedimentos extrajudiciais. Sabe-se que o Brasil tem um amplo corpo normativo composto por normas rígidas que devem ser respeitadas e verificadas o seu fiel cumprimento, conquanto algumas situações atípicas, especialmente, em sede de alguns órgãos que detém funções típicas e atípicas de tornar normas efetivas. Situações essas, no entanto, que em vezes necessitam da análise jurídica principiológica para garantir aplicação de normas preestabelecidas no direito constitucional e internacional, que garantem os direitos da dignidade humana, isso em qualquer área ou relação social. Portanto, utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica para melhor desenvolver o trabalho, com o fito demonstrativo do princípio em questão, a fim de resguardar direitos e deveres constitucionais.

Palavras-chave: Direito Internacional. Direitos Humanos. Dignidade Humana. Princípio do acesso à justiça. Inafastabilidade da Jurisdição. Supremo Tribunal Federal. Alienação fiduciária. Direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição.

Abstract: The purpose of this work is to analyze the proper applicability of the fundamental principle of the indefeasibility of judicial control in extrajudicial procedures. It is known that Brazil has a broad body of regulations made up of strict standards that must be respected and their faithful compliance verified, although some atypical situations, especially in the case of some bodies that have typical and atypical functions of making standards effective. These situations, however, sometimes require principled legal analysis to guarantee the application of pre-established norms in constitutional and international law, which guarantee the rights of human dignity, in any area or social relationship. Therefore, the bibliographical research method was used to better develop the work, with the aim of demonstrating the principle in question, in order to protect constitutional rights and duties.

Key words: International right. Human rights. Human dignity. Principle of access to justice. Inseparability of Jurisdiction. Federal Court of Justice. Fiduciary alienation. Fundamental right to non-defeasibility of jurisdiction.

  1. INTRODUÇÃO

O princípio da inafastabilidade da jurisdição é uma das principais garantias constitucionais que permite a qualquer pessoa o acesso à justiça e, com isso, obter uma tutela jurisdicional do Estado, de forma imparcial, para a resolução de um determinado litígio.

O princípio da inafastabilidade da jurisdição juntamente com o direito ao acesso à justiça está apregoado no artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, a qual preceitua que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Por estar amparado pela Carta Magna, o princípio é pilar fundamental para permitir que o jurisdicionado tenha havido seu direito de tutela, por meio do órgão jurisdicional com prerrogativa de julgar imbróglios face às situações contratuais desproporcionais, entre, por exemplo, uma empresa (detentora de informações aprofundadas em detrimento do consumidor) e uma pessoa natural/física.

Além disso, salienta-se que o presente delineia a inversão de valores propriamente legais, quando se tem uma desvantagem para a parte mais fraca/ vulnerável na relação contratual, seja ela consumerista ou civil.

Ainda, evidencia-se que o paradigma normativo constitucional e internacional é totalmente contrário à qualquer retrocesso legal, a fim de que seja suprimido um direito humano fundamental da dignidade humana. Portanto, será demonstrado no presente que a tutela jurisdicional não pode ser jamais afastada sob o argumento de que o devedor pode recorrer ao judiciário, se acaso verificar irregularidade no procedimento “por não violar princípios do devido processo legal e da ampla defesa”.

  1. DO ACESSO À JUSTIÇA E DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL

O direito humano e fundamental ao acesso à justiça é relevante para os direitos humanos, ao passo que os imbróglios que devam ser resolvidos em sede judicial são categoricamente previstos e necessários à justiça, de modo que todos possam, efetivamente, reivindicar seus direitos e ter atendidas as suas necessidades frente aos litígios.

Frisa-se a importância do entendimento acerca de dois vieses do direito ao acesso à justiça, sendo a autocomposição e a heterocomposição dos litígios como meios alternativos da resolução de determinados conflitos, sendo que, no primeiro viés, tem-se que a resolução de um conflito é determinada pela vontade das partes (mutuo acordo), enquanto no segundo caso, tem a figura de um terceiro intermediando a transação (arbitro), fazendo uso da arbitragem em uma participação paradigmática, isto é, um paralelo participativo.

Nesse sentido, Luis Reichelt traz a seguinte contribuição doutrinária: “Avançando nessa direção, observa-se que os meios para solução de conflitos encampados pelo direito ao acesso à justiça, naquilo em que não exigem prestação estatal direta e específica em favor do indivíduo, podem ser fundamentados em estruturas de autocomposição de litígios ou de heterocomposição de litígios. No primeiro caso, tem-se que a solução do conflito é determinada pelas próprias partes nele envolvidas, a exemplo do que acontece na transação, na conciliação e na mediação. Na segunda hipótese, a solução a ser adotada é imposta aos sujeitos envolvidos em uma lide por um terceiro que com elas não se confunde, sendo uma manifestação paradigmática a esse respeito a atividade desenvolvida por particulares em sede de arbitragem.

Essa dicotomia de estruturas também é útil para que se possa compreender o âmbito de atuação das prestações estatais diretas e especificas ofertadas aos indivíduos com vistas à solução de conflitos. Se, de um lado, a mediação e a conciliação são atividades também desenvolvidas por órgãos do Estado, é certo que, de outra banda, a jurisdição é uma atividade de exercício de poder do Estado na qual se faz presente a atuação de um órgão do próprio Estado que, atuando como um terceiro imparcial, impõe às partes um comando com vistas à solução de um conflito.” (Reichelt, 26/03/2018).

Como se percebe, é mister observar que a inafastabilidade da jurisdição pode afetar direito fundamental como o direito ao acesso à justiça, uma vez que, além do direito de jurisdição, os sujeitos envolvidos também podem resolver conflitos alternativamente à justiça. Dito isso, afastando tal direito, tem-se uma clara violação a direitos humanos e fundamentais, haja vista a liberdade contratual das partes para escolherem a melhor forma de transacionarem um imbróglio (seja por meio da arbitragem, seja por meio da autocomposição), situação que está perfeitamente em harmonia com o direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, que aduz “art. 5° (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”. Portanto, deve-se perquirir sempre a respeito de qualquer ato que envolva a afastabilidade da jurisdição em determinados casos, no intuito de garantir que a justiça se fará presente sempre que necessário, a fim de garantir o direito humano e fundamental do acesso à justiça.

  1. O DIREITO À INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO SOB A HERMENEUTICA DOS DIREITOS HUMANOS

Delineia-se a imprescindível leitura do art. 5º, XXXV da CF/1988 à luz da hermenêutica dos Direitos Humanos, haja vista a sua atuação profunda em trazer para o direito um novo modelo de abarcar situações, nas quais se deva avançar em relação às anteriores, vendado o retrocesso social, no sentido de que, qualquer direito que esteja iminentemente em perigo de ser restrito no texto constitucional, não poderá prosseguir, uma vez que ao contrario deve-se alinhar este direito fundamental e priorizá-lo.

Nessa senda, entende Reichelt “Essa substancial ampliação da proteção constitucional proposta pelo art. 5.º, XXXV deve ser lida à luz da hermenêutica própria dos Direitos Humanos e Fundamentais. Nesse sentido, a opção política atual constitui-se em avanço em relação às experiências anteriores, sendo vedado o retrocesso que levasse ao retorno ao modelo antes vigente, ou, ainda, a qualquer restrição em relação ao alcance da proteção hoje consagrada no texto constitucional. Construções doutrinárias que adjetivem o direito à inafastabilidade do controle jurisdicional de modo a ampliar o seu espectro de proteção podem ser justificadas, em última instância, a partir do império desse específico padrão de hermenéutica.” (Reichelt, 26/03/2018)

A garantia de acesso à justiça corresponde, nos tempos atuais, à evolução da consciência coletiva acerca do acesso à Justiça como sendo essencial ao direito moderno, independentemente de futuras limitações que possam existir nos mais variados lugares, com relação ao acesso à jurisdição.

Portanto, a análise feita sob a ótica do doutrinador, bem como a conclusão acerca da relação dos Direitos Humanos com o princípio fundamental da inafastabilidade da jurisdição, é fundamental para compreensão do imperioso princípio, uma vez que, como visto, o supra é irrefutavelmente abarcado constitucionalmente, além da hermenêutica dos Direitos Humanos, no sentido de ser necessário para o direito moderno e sua precisão para a sociedade.

  1. O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA E A BASE NORMATIVA INTERNACIONAL DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL

Acerca do direito ao acesso à justiça e sua existência na CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos), segundo Cintia (s.d., apud MELO; ROCHA, s.d., p.5), “é possível notar que em seu artigo 8º e 25, é garantido o “direito de ser ouvido”, previsto no art. 8º, 1, da qual a Corte vem demonstrando o direito de todo cidadão de ter acesso a um juiz imparcial tanto quando for acusado da prática de ilícito penal quanto para a postulação de proteção a direitos de qualquer natureza não criminal.

O art. 8º da CADH constitui-se, portanto, a base normativa convencional a partir da qual a Corte afirma que todos os Estados Partes da convenção têm o dever de garantir aos seus cidadãos que, quando diante da violação ou ameaça de violação a um direito, tenham acesso célere a um juiz imparcial que possa efetivamente impedir ou reparar tal violação.

A garantia de acesso à Justiça, portanto, tem fundamento na Convenção e não pode ser suprimida ou dificultada pelos Estados Partes, sob pena de violação às normas convencionais e possibilidade de condenação pela Corte.”

Como visto, a autora do projeto contribui para a afirmativa de que o Estado tem o dever de ouvir os cidadãos, o que está positivado e expresso na CADH, motivo pelo qual não obsta a afirmativa irrefutável que o direito ao acesso à justiça encontra respaldo fundamentado em convenção internacional, que muito contribui na interpretação do direito à inafastabilidade da jurisdição no Brasil.

Nesse mesmo sentido, alguns tribunais também entendem que tal princípio é indispensável à dignidade humana, a saber:

EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO DE COBRANÇA. DIFERENÇAS DE 13º (DÉCIMO TERCEIRO) SALÁRIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INTERESSE DE AGIR DEMONSTRADO. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. 1. Em síntese, parte autora que busca o pagamento das diferenças de 13º salário em razão da alteração na data do pagamento implementada pela Lei n. 15.599/06. A sentença proferida no evento 10 julgou extinto o processo, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, c/c 330, III, do CPC, por falta de interesse de agir da parte autora, uma vez que não houve o exaurimento da via administrativa antes da propositura da demanda. Irresignada, a parte autora interpôs recurso inominado no evento 12 onde pede que a sentença objurgada seja cassada e a inicial recebida sem a exigência do prévio requerimento administrativo. 2. O interesse de agir tem natureza processual, instrumental e diz respeito à necessidade e utilidade da tutela jurisdicional para o fim de obter uma posição de vantagem na demanda. Parte da doutrina acrescenta um terceiro elemento na composição do interesse de agir, qual seja, a adequação. Assim, para existir interesse de agir, é necessário que se apresente a necessidade e utilidade da tutela e que a atuação jurisdicional seja adequada para a finalidade perseguida. Precedente STJ: REsp 1.880.950/PR, Relator (a): Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, DJ de 15/03/2021. 3. O Princípio da Jurisdição materializa-se como uma das garantias fundamentais do jurisdicionado, pelo qual lhe é assegurado ter seus litígios solucionados pelo Estado, detentor do monopólio da jurisdição. Desse modo, a prestação jurisdicional é uma das formas de se concretizar o princípio da dignidade humana, motivo pelo qual mostra-se imprescindível que ela seja realizada de forma célere, plena e eficaz (STF: (Rcl 6.428/SP, Relator (a): Min. Cármen Lúcia). 4. Na hipótese, não há que falar em falta de interesse de agir pela falta de prévio requerimento administrativo por parte do Recorrente, sob pena de violação ao Princípio da Inafastabilidade de Acesso ao Poder Judiciário. As garantias constitucionais do direito de petição e da inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário, quando se trata de lesão ou ameaça a direito, reclamam, para o seu exercício, a observância do que preceitua o direito processual. 5. Desse modo, descabe a formulação de pedido ou esgotamento da via administrativa para pleitear o direito supostamente violado ou ameaçado de violação perante o Poder Judiciário, restando observada a garantia fundamental do acesso à justiça, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição. 6. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO para cassar a sentença de origem e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para seu regular processamento, por não estar a causa madura para julgamento. 7. Sem custas processuais e honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.009/95), diante do resultado do julgamento.

(TJ-GO 56124346720218090051, Relator: ROZANA FERNANDES CAMAPUM, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 05/05/2022)

Ademais, segundo o magistrado Caio Roberto “A inafastabilidade do controle jurisdicional é garantia inerente ao rol de direitos humanos, considerados internacionalmente como imperativos éticos do Estado Democrático de Direito.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), em seu artigo 10, afirma que “Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com equidade, por um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações, ou para o exame de qualquer acusação contra ela dirigida, em matéria penal”.

Já a Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950), em seu artigo 6º, inciso I, garante que

“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente em um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.”

No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), artigo 14, inciso I, afirma-se que

“Todas as pessoas são iguais perante os tribunais. Toda pessoa terá direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal independente e imparcial, instituído por lei, no tocante a qualquer acusação de caráter penal contra ela formulada ou para a determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil.”

Por último, a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (1969), em seu artigo 8º, inciso I, estabelece que

“Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

Em tais declarações, revela-se a necessidade de que os direitos fundamentais sejam garantidos pelo acesso universal ao Poder Judiciário, como órgão de controle de todos os atos que possam causar lesões ou ameaças a direitos. Elas impõem, ainda, a extensão de tal controle jurisdicional a qualquer tipo de direitos, sem exceções, caracterizando a inafastabilidade do controle jurisdicional como garantia essencial às modernas democracias.”

Por conseguinte, conclui-se que, o princípio em apreço se solidifica como uma das garantias fundamentais do cidadão, pelo qual lhe é assegurado ter seus litígios solucionados pelo órgão estatal que detém a prerrogativa de julgar, detentor do monopólio da jurisdição. Sendo assim, a prestação jurisdicional é uma das modalidades de se enfatizar o princípio da dignidade humana, motivo este que se mostra imprescindível perfazendo plena e eficácia do direito da inafastabilidade da jurisdição.

  1. DOS PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS QUE AFRONTAM O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

O Supremo Tribunal Federal entende que, em alguns casos, bancos ou instituições financeiras possam retomar imóveis, sem acionar a Justiça, em caso de não pagamento de um financiamento imobiliário.

Essa decisão vale para os casos em que o próprio bem imóvel seja dado como garantia do financiamento, a chamada alienação fiduciária. Para a maioria dos ministros, a execução extrajudicial, prevista na Lei n° 9.514/1997, é constitucional e não viola os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, uma vez que o devedor pode recorrer ao Judiciário, caso verifique irregularidade no procedimento. O texto de 1997, foi validado pela corte Suprema e está em vigor há 26 anos.

O julgamento em sede de recurso extraordinário foi no sentido de que as instituições financeiras terão o “direito” de executar cláusula de alienação fiduciária sem acionar a justiça, como se extrai, in verbis

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. DIREITOS FUNDAMENTAIS À PROPRIEDADE E À MORADIA. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA JURÍDICO, ECONÔMICO E SOCIAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o Ministro Edson Fachin. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Edson Fachin.

Ministro LUIZ FUX Relator

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 14302416.

Ora, a decisão aponta o direito de execução da cláusula de alienação fiduciária, entretanto, fere o princípio fundamental do acesso à justiça (previsto expressamente na Constituição Federal de 1988) e o da inafastabilidade da jurisdição, conforme demonstrado no exposto acima.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor traduz o Princípio do Equilíbrio Contratual entre as partes, senão vejamos alguns artigos da Lei 8.078/90 (CDC):

Art. 6° São direitos básicos do consumidor:

(…)

v- a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão dos fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas

(…)

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Nesse sentido, é mister colacionar a melhor doutrina de Starling, a saber:

“(…) podemos observar que a possibilidade de modificação das cláusulas contratuais almeja a adequação e proteção em relação aos interesses dos contratantes (consumidor e fornecedor), em um tríplice perspectiva: equilíbrio econômico do contrato, equiparação ou equidade informacional das partes e equilíbrio de poder na direção da relação contratual. Assim, a necessidade de alteração das cláusulas contratuais tanto pode visar aos interesses do consumidor quanto do fornecedor, o que interessa é a manutenção da equidade e da finalidade inicialmente buscada pelos contratantes no momento da celebração do negócio jurídico”.

Para tanto, o CDC é cristalino ao impossibilitar tais procedimentos na esfera contratual, dado que a contrariedade de lei federal seria evidentemente fato suficiente para invalidar de pleno direito procedimentos estranhos e aversos à justiça e o acesso a ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O acesso à justiça é tido como garantia associativa aos direitos humanos, especialmente no que toca ao princípio à dignidade humana.

O Estado retroage social e materialmente quando se está diante de uma supressão constitucional, que garante acesso jurisdicionados de verem seus litígios resolvidos, os quais encontram total garantia no princípio da inafastabilidade da jurisdição, o qual é basilar para a tutela jurisdicional entre conflitos.

Ademais, a base legal internacional coaduna com tais princípios, contribuindo com a profunda hermenêutica segundo a qual não se pode omitir direitos que ensejam desigualdade, quando se está diante de princípios como o da dignidade humana.

Além disso, cumpre frisar que os procedimentos não estão devidamente amparados pelas normas gerais e especificas, na medida em que não se pode consubstanciar desproporção e retrocesso às situações que demandem aplicação e progressão de direitos.

Por fim, delineia-se que é cristalina a transgressão às normas constitucionais, bem como infraconstitucionais, além de convenções e normas internacionais, as quais fundamentam posição garantista e fundamental contrária aos procedimentos extrajudiciais, os quais afrontam o princípio humano e fundamental da inafastabilidade da jurisdição, que não pode em situação nenhuma deixar de ser aplicado.

  

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 496 p. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 02 de janeiro de 2024.

BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990.

Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 02 de janeiro de 2024.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, RE 860.631 (Tema 982). Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE860.631InformaoSociedadev2.pdf . Acesso em 02 de janeiro de 2024.

MOURA, Caio Roberto Souto de. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e a justiça Desportiva: um caso de antinomia jurídica. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.73, set. 2016. Disponível em: Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (direito de ação) – Jus.com.br | Jus Navigandi .  Acesso em: 02 jan. 2024.

REGINA GUEDES Cintia, p. 5. Apud MELO, Josemário de Oliveira; ROCHA, Lilian Rose Lemos. As garantias judiciais (art. 8) e a proteção judicial (art. 25) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos: o mito de Sísifo e a visão jurisprudencial da corte

interamericana de direitos humanos no caso concreto López Álvarez vs. Hondura. Disponível em: <https://www.stm.jus.br/informacao/agencia- de-noticias/item/download/777_2455afe2321c5ec6b835d89f982928bd>. Acesso em: 02 de janeiro de 2024.

REICHELT, Luis. 46. O Direito Fundamental à Inafastabilidade do Controle Jurisdicional e Sua Densificação no Novo Cpc In: ALVIM, Teresa; JR, Fredie. Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil – Teoria Geral do Processo I. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/doutrinas-essenciais-novo-processo-civil-teoria-geral-do-processo-i/1196959225. Acesso em: 2 de Janeiro de 2024.

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